domingo, 7 de janeiro de 2018

                                   Missiones Argentinas  em bicicleta

por   Valmir Roza Lima




No ano de 2016, resolvi fazer um roteiro diferente do que estou acostumado. Ao invés de ir pro norte Argentino  onde tem saída pra Bolivía e Chile, optei por  um recorrido em uma região de selva, onde predomina a cultura Guarany, a provincia de Missiones Argentina, e como sempre em bicicleta.
Eu já havia viajado de carona por Missiones na minha adolescência, mas não lembrava de nada que conheci naquela época.

Sabia que era terra de índios rabequeiros,e já conhecia as  Missões Jesuíticas, de outra oportunidade, quando junto com a Sandrinha, minha companheira de aventuras percorri essas terras acampando em baixo de chuvas e visitando ruínas no meio do mato.
Porém na atual viagem, eu queria pedalar tranquilo, pelos pequenos povoados, me divertir acampando, fazendo comida na beira da estrada e conhecer um pouco mais dos costumes e da música Missionera.  




Como sempre, a viagem começou com uma esticada em ônibus de SP até Foz do Iguaçú.
Cidade que eu gosto demais. Foz, sempre acolhedora, delicia pra passar uma noite e fazer  os últimos preparativos pra grande travessia da província de Missiones.

Tudo arrumado, manhã com clima estável, hora de cruzar a fronteira, como sempre de bicicleta, nós não precisamos pegar a fila de carros então a manhã rendeu bastante, cheguei em Puerto Iguazu e já percebi que a viagem seria penosa.
Vendo e revendo alguns mapas, ví que teria duas opções,  a Ruta 12, que em 300 Km passaria por vários povoados , mas que tinha muita subida e decida, ou outra estrada, que iria por um Parque Nacional e não era pavimentada, com poucos povoados no caminho e a volta ficaria em uns 400 Km.

Quando se está sozinho na estrada, é melhor não se distanciar muito da civilização, pois se acontecer algum imprevisto, como bicicleta quebrada, ou falta de comida é mais difícil de se resolver e se tiver algum problema de saúde também, não tem como continuar.
Pensando nessas variáveis, resolví ir pela ruta 12, pois passaria em um povoado a cada 50 ou 60 Km.
No primeiro dia, eu passei por  Puerto Libertad e dormi em Wanda, ha apenas  50 Km do ponto de partida.
Percebi que a estrada tinha muita subida,... era assim, 1 Km de subida e 1 Km de decida, direto sempre assim, não dá pra acreditar, parece que a estrada foi construída assim propositalmente, intercalando subida e decida direto, pelo ou menos não tinha o problema da falta de ar ocasionado pela altitude, pois essa região está a apenas 2000 metros de elevação.
A comida era o de sempre, polenta com linguiça, feita num fogareiro de lata de LUMIX  e tendo como combustível, parafina previamente derretida por mim em bolinhas de algodão, cada bolinha proporciona de 20 a 30 minutos de fogo. Essa comida é muito prática, pois é só esquentar um pouco de água e jogar o pozinho da polenta e a linguiça na panelinha e deixar ferver um pouco. Pro café da manhã era chá e o que mais tivesse no momento, e pra dormir uma barraquinha de duas pessoas, que se pode armar em qualquer lugar.
Roubo ou assaltos , ninguém nem se preocupa com isso, pois um furto é muito pouco provável e assalto simplismente não existe , portanto, é uma viagem barata e você só se preocupa em pedalar e curtir a paisagem.





Capote no acostamento

Cheguei em El Dorado pela noitinha, depois de pedalar o dia inteiro parei numa lanchonete na beira da estrada e me informei sobre camping e não tinha nenhum por ali, fui aconselhado a ir prum posto de gasolina mais à frente onde com certeza, poderia acampar sem problemas.
Um borracheiro me convidou a passar a noite, com ele e seus amigos, numa borracharia escura, e eu confesso que fiquei meio receoso com aquele pessoal meio bêbado e falando alto. Agradeci o convite e parti pro tal posto de gasolina.
Acontece que nas carreteras de Missiones tem   umas mini lombadas nos acostamentos, pois os acostamentos são muito utilisados por motos e scooters, o que é proibido, e pra combater essa prática eles fazem essas mini lombadas no acostamento. 
No escuro da noite, e ansioso por arrumar um lugar pra dormir , eu cometi um erro fatal, sem acender o farol da bicicleta, eu comecei a correr. Não demorou muito e eu voei por cima dessas mini lombadas. foi um capote feio e doloroso, voou cantil, pacote, mochila pra todo lado.  

Eu machuquei bem os joelhos e as mãos ardiam, e no escuro não conseguia nem ver os machucados, o que eu fiz?? voltei à borracharia.  
O borracheiro quando me viu entendeu logo o problema e me mostrou uma torneira, eu me lavei e fiz meus próprios curativos,pois sempre tenho material de farmácia.



Poeira sacudida, comecei a tomar fé da situação, o borracheiro era um Correntino que vivia em Missiones, ali naquela noite estavam sua mulher, sua filha, seu genro Brasileiro , um amigo, umas três crianças e um monte de cachorros.
Estavam preparando a janta, e logo me deram um sanduiche de pão com carne e refrigerante....pra eu aguentar esperar a janta.
Depois de conversarmos muito, a janta ficou pronta, Frango assado, linguiça assada,arroz,batata e salada. Eles não aceitaram que eu colaborasse com nada.

O tipo era um cara bem legal, mas também muito esperto, me convidou a dormir em uma parte da borracharia onde era um comodo de madeira e tinha somente uma porta, onde ele amarrou um cachorro bem na saída, e me deu uma lata caso eu precisasse tirar a água do joelho. Ele iria pra outra parte, pois a noite a borracharia funcionava , todos foram embora e ele ficaria cochilando na frente da estrada com os cachorros.
Foi uma noite bem tranquila, me recuperei bem e antes de partir, resolvi ir ao banheiro, mas ali o banheiro era o mato pra me aliviar, eis que um cachorro bem traiçoeiro me pegou no tornozelo por trás, bem na crocodilagem, veio em silencio e créu ! bem no ossinho, doeu muito e foi mais um curativo.
Por fim, todo estrupiado, subi na magrela e saí pedalando pela manhã tranquila, rumo ao sul.
Não me lembro o nome do Correntino que me acolheu numa hora tão difícil, mas não esquecerei jamais da sua atitude. gente boa mesmo, sem esperar nada em troca.
Obs: Toda viagem eu levo uma mordida de cachorro.


Esse relato foi publicado numa revista Argentina " Solo Camping" onde mando algumas colaborações


A viagem seguiu sem muitas novidades, o único incômodo eram as subidas que eu encontrava pelo caminho.
Fui passando de cidade em cidade, aproveitando o clima e a paisagem, pois apesar das subidas, essa estrada  é muito bonita, famosa por atravessar uma região de selva e as comunidades no entorno mantém uma produção de frutas muito conhecida também.

Tive uma boa acolhida em Monte Carlo, onde fiz amizade com funcionários de um posto de gasolina que me convidaram a acampar no pátio do posto, porém por motivos óbvios não pude cozinhar, pois acender fogareiro num posto de gasolina seria demais. Mas ganhei carne de churrasco, frango arroz e batata frita dos funcionários,foi uma boa cidade pra mim.

Depois de pedalar e passar por Caraguatay e El Alcazár cheguei a Puerto Rico já anoitecendo.
Essa estrada tem tanta subida, que eu pedalei quase o dia inteiro e só avancei 50 Km.           Em Puerto Rico, depois de conversar com alguns tanseuntes, fui aconselhado a procurar a igreja, pois muitos viajantes se refugiavam ali.Conversei com o padre e tive a permissão pra acampar num pátio enorme onde eram feitas as festas comunitárias.Barraca montada, fogareiro aceso, era tudo o que eu gostava. Jantei e fui conversar com os populares, sobre folclore,,fiquei horas conversando com um policial que tocava violão num grupo local e sabia tudo sobre música missionera.
A estadia  nessa igreja foi uma das melhores e eu trago até hoje como uma boa lembrança.




                 



Saindo de Puerto Rico, depois de pedalar alguns Km, uma surpresa dolorida       " abelhas" , numa encostada pra fazer café da manhã embaixo de uma árvore eu levei algumas picadas, mas nada que uma boa sacudida na roupa e uma corridinha não resolvesse.

Demorei três dias pra avançar de Puerto Rico até San Inácio.

Apesar de serem só 80 Km, as subidas constantes impediam o avanço no pedal, era um Kilômetro  de subida e outro de decida, literalmente.

Dormi em Santo Pipó  e fiquei um dia todo na beira da estrada, em um tipo de Penha Folclorica onde os moradores locais faziam uma festa, mas quando o povo já estava ficando de fogo eu saí fora.

Minha chegada em San Inácio, significava o fim da viagem, eu só queria descansar uns dois dias, comer bastante e revisitar as missões Jesuíticas e os lugares que eu e a sandrinha tinhamos gostado numa viagem tempos atrás.

Me dirigi ao Camping que eu já conhecia, mas ele estava arrendado pra um casal simpático que me aceitou logo de cara.

Fiquei acampado alí por dois dias, fiquei amigo do casal e descansei e fizemos muita comida juntos.

Pela luta deles pra criar duas crianças num lugar sem muito recursos e  poucos hospedes davam algumas aulas em comunidades rurais pra ajudar o orçamento, então eu resolvi doar a minha bicicleta e o material de camping pra eles antes de voltar pra casa.

Subi num ônibus em direção a Puerto Iguazu, e dormi uma noite inteira no banco reclinável, Atravessei a fronteira de manhãzinha e passei um dia descansando em Foz do Iguaçú.

Essa foi a viagem de bicicleta, por uma das estradas com a pior altimetria da Argentina, o desafio pra qualquer ciclista....300Km intercalando um kilômetro de subida e outro de decida, do começo ao fim. 

Ruta 12 Nunca mais.
















Valmir Roza Lima





                                     




















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